Mesmo inconformados com a falta de responsabilização de órgãos públicos, os familiares de vítimas e sobreviventes da tragédia da boate Kiss comemoraram a decisão da Justiça de levar a júri popular os quatro réus denunciados na esfera criminal. Em vigília na Praça Saldanha Marinho, em Santa Maria, desde o início desta quarta-feira, centenas de pais e amigos dos 242 mortos no incêndio receberam a sentença do juiz Ulysses Louzada como uma esperança de punição. Em entrevista à Rádio Guaíba, o presidente da associação de familiares (AVTSM), Sérgio da Silva, destacou o ressentimento pelo arquivamento dos processos contra o prefeito, Cezar Schirmer, e secretários da cidade. Depois da imoralidade e falta de respeito com os direitos individuais das vítimas, com que o Estado do Rio Grande do Sul, através do Ministério Público, tratou o processo, absolvendo sumariamente a maioria dos envolvidos, essa atitude do juiz nos trouxe um pouquinho de luz no final do túnel", comentou Silva. "Para que a gente entenda que existe Justiça neste país ainda. Se vai ser feita, eu não sei, mas a atitude do juiz para a gente é muito louvável, já que não tivemos essa posição de credibilidade moral do Ministério Público em relação a outros envolvidos, como Prefeitura, Estado e o próprio MP, avaliou. Sérgio e o presidente do Movimento Do Luto à Luta, Flávio José da Silva, são processados pelo Ministério Público por calúnia. Os pais que perderam filhos na tragédia defendem a responsabilização de promotores e do prefeito por terem mantido a boate em funcionamento, após irregularidades verificadas antes da tragédia. Manifestações são organizadas na praça central da cidade todas as quartas-feiras. Hoje, a vigília marca 3 anos e 6 meses do incêndio. O presidente da associação também relatou que muitos familiares e sobreviventes mantêm tratamento médico e psicológico com auxílio do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) e medicamentos doados por uma farmácia local, devido à burocracia para o atendimento prestado pelo poder público. A intenção de transformar o prédio da boate Kiss em um memorial às 242 vítimas está suspensa, hoje, também devido à falta de acordo entre os órgãos públicos e familiares. Dois anos atrás, a Prefeitura e o Ministério Público fizeram projeto e convidaram a associação para que fosse feito um memorial no local. Não concordamos, na época, porque temos duas figuras, o acusador (MP) e o réu (Prefeitura), se unindo para fazer um memorial. Então, é uma questão longa, que Santa Maria vai precisar se unir para definir. Pedimos desapropriação do espaço, mas há dificuldades. Mas os governos passam, relatou Sérgio. Ele ainda destacou a semelhança do caso da clínica de reabilitação atingida por um incêndio em Arroio dos Ratos, na semana passada. Sete pacientes morreram em espaço fechado a grades e cadeado. Sérgio alertou que a história tende a se repetir, nesse caso, sem que políticos e órgãos públicos sejam punidos pela falta de fiscalização prévia.
Familiares de vítimas e sobreviventes da tragédia da boate Kiss comemoraram a decisão do júri popular | Foto: Mauro Schaefer / CP Memória RÁDIO GUAÍBA