Ato simples e aparentemente banal que chega a parecer simplório e desimportante. Mas, vamos lá. Hora de pegar o título de eleitor... Onde está?! Na gaveta de boletos? Não... Na gaveta de documentos? Nada... Na carteira reserva? Nada... Achei! Estava funcionando como um marcador de livro. O livro? A Constituição de 88. A cartilha onde estão os pilares da organização social do Brasil, onde se encontram os direitos e deveres de cada um. Contrato onde se busca o nivelamento de desiguais – que todos são iguais perante a lei.
É verdade, sim, que é dever de todos zelar pela manutenção do que diz a Constituição: “Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”. Entretanto, a maioria de nós é cidadão comum. O alcance de nossos atos é limitado porque não ocupamos cargos influentes o suficiente para interceder por um município, uma cidade, um bairro. Cidadãos comuns que somos, não dispomos do controle de nenhum orçamento a nível comunitário; não podemos definir diretamente quais investimentos realizar, quais obras iniciar, terminar, recomeçar. Mas nós temos o poder de escolher quem tomará essas decisões: nós escolhemos os representantes. Estes, por sua vez, são uma minoria discreta, que devem trabalhar em prol dos cidadãos comuns.
Agora que já reencontrei meu título, é hora de vestir a máscara e ir à votação. Último momento de reflexão antes dessa importantíssima escolha. Vale pensar em como foi que defini em quem votaria: pesquisei o histórico e as experiências anteriores? Avaliei como o candidato agiu quando esteve em posição onde poderia fazer escolhas importantes para a comunidade? Se o candidato agiu de determinada maneira quando em posição influente, o natural é que mantenha seu modo de agir. A menos que, por algum motivo que o candidato deixou bem esclarecido, tenha decidido rever sua opinião. Mudar de opinião não é o problema, a questão é que é necessário haver coerência.
Um exemplo hipotético: o candidato diz que vai investir em educação e saúde, mas, em determinada sessão, decide pela aprovação de um limite de gastos nessas áreas, liberando verbas para outras, como comunicação e defesa. Não há coerência.
Mais outro: o candidato visita as zonas mais vulneráveis da cidade, pega crianças no colo, fala olhando olho no olho com os simpáticos moradores das vilas. Eis que chega o momento de uma votação: ele age em prol de uma parcela mais favorecida. Não há coerência.
Não quero entrar no mérito de que tipo de políticas sociais e econômicas adotar. Quero alertar para o clássico fenômeno do ‘dizer uma coisa e fazer outra’.
Ora, não sejamos hipócritas, todos nós já agimos assim vez ou outra na vida. Muitas vezes, inclusive, enganando a nós mesmos: nos convencemos de que não faremos algo e... lá estamos nós fazendo justamente aquilo!
A questão é que o alcance de nossas ações atinge nossa vida íntima, nossa vida interpessoal, nossa vida profissional. E dependendo do status de cada um desses âmbitos da vida, o impacto de nossas ações será maior ou menor. Por isso, a análise do comportamento,
da índole dos candidatos é de suma importância para que se escolha em quem votar: a coerência deve ser uma característica imprescindível. Queremos, basicamente, que as falas e as ações do candidato sejam equivalentes. Afinal, ele estará em poder de tomar decisões que afetam a todos nós, cidadãos comuns. E queremos poder acreditar em quem votamos, ter a sua confiança.
O mundo de hoje nos oferece informação na palma de mão. Podemos rapidamente conferir se determinada fala corresponde a ações anteriores; se determinada promessa tem como ser transformada em realidade. Mas, além disso, devemos nos informar em nossa comunidade, trocar opiniões e pontos de vista com vizinhos, descobrir os anseios mais urgentes de nosso bairro. Depois disso, devemos ir para fora do bairro, conversar com pessoas que vivem outras realidades, descobrir quais são suas demandas, e de que maneira podemos agrupar todas essas necessidades em torno deste ou daquele candidato (depois, é claro, de verificar se ele é coerente em seus ideais). Isso é ser cidadão, isso é se preocupar com a cidade, com o município, com o país.
Pensando em meus anseios como cidadão, os associando aos anseios da comunidade e aos anseios da cidade, entro na cabine de votação. Já passei álcool-gel nas mãos, estou higienizado, protegido contra o vírus da covid, e me preparo para ajudar a decidir o futuro, via urna eletrônica. É hora de proteger a cidade do vírus da má política.