Há algum tempo, o tema das masculinidades está posto à mesa sob a lupa de diversos campos do saber e da cultura. Não é também menor o impacto que o assunto causa, pois além de polêmico, pensar as masculinidades, assim no plural, implica adentrar em terreno de valores estabelecidos socialmente acerca do masculino, os quais alguns querem ou sentem a necessidade de defender.
É partindo do curso chamado “Masculinidades em transformação”, ministrado pela psicanalista Maria Homem em seu canal do Youtube, que eu venho fazer algumas reflexões. Não obstante, é um tema recorrente na clínica, nas discussões que se fazem presentes nas redes sociais e em algumas publicações científicas.
É fato que já há algum tempo os homens sentem uma nostalgia da era paleolítica, quando caçavam em grupo e se utilizavam essencialmente de pedras como instrumentos, formando uma imagem de homem bruto e destemido. Podemos ver essa nostalgia retomada no século XX , através da glamourização de homens brutos em filmes de faroeste como John Wayne e Clint Eastwood, por exemplo, e até mesmo na recente invasão do capitólio, nos EUA, com o homem vestido de peles, numa tentativa de tomada do poder à força. Há, então, um movimento de afirmação desta brutalidade “inerentemente masculina”. Este movimento de defesa revela ser uma reação para a retomada deste arquétipo de homem. A masculinidade está em cheque? Sim.
Na idade moderna, com o Renascimento e posteriormente a Revolução Industrial, surgem novas formas de configuração das masculinidades dentro do campo das artes, da moda, da cultura e do comportamento. Quando entramos no século XIX, a voz feminina ganha espaço na literatura com personagens como Madame Bovary, de Flaubert, e até mesmo com a nossa Capitú, de Machado de Assis. A mulher assim aparece como incompleta, insatisfeita e desejante. Na academia, destaca-se o trabalho de Freud, que a partir dos anos 1880 dá voz às histéricas revelando nas mulheres o seu grande potencial desejante e a necessidade de serem ouvidas.
Voltando ao cinema, nos anos 50, este nos entrega uma figura intrigante como a de James Dean, que apesar de munido de símbolos tipicamente masculinos traz a dúvida e a errância na construção da sua figura de “rebelde sem causa”. É também em meados do século XX que o movimento feminista vem reivindicar um lugar de igualdade, sobretudo de direitos, frente ao homem e realizar um questionamento sobre o patriarcado. Já indo para os anos 70, e sobretudo 80, vemos as bandas de rock com calças justas, cabelos compridos e maquiagem pesada no rosto. Há, a partir daí, inclusive na moda, um movimento de feminização da cultura. Como já foi dito, não sem reação.
Recentemente tem-se discutido bastante a homofobia, o feminismo, o papel do masculino e a defesa das minorias com bastante intensidade, temas muito presentes inclusive nas redes sociais. Não é raro, também, que estes discursos afirmativos sejam taxados, de forma leviana, como “mimimi”. Também se fala de identificação de gênero não-binário, cada vez mais em voga entre os adolescentes. A diversidade pouco a pouco acaba garantindo seu espaço na cultura, na política, na indústria e no comportamento. Vale ainda lembrar o tema da “masculinidade tóxica”, que ocupa um lugar de destaque nesse cenário. Este seria um comportamento onde o homem tenta ocupar o lugar de macho, viril, potente e destemido. Decorre disso uma série de problemas, que afetam o indivíduo e também todo o círculo social que o rodeia, especialmente as mulheres.
Enfim, apesar de estar em cheque, não acredito que a masculinidade esteja chegando ao fim. Talvez daqui a décadas, ou centenas de anos, tão distintas configurações do masculino e do feminino estarão em voga que esta discussão se apagará ou irá tornar-se enfraquecida. Atualmente, muito mais homens que mulheres morrem de acidentes, homicídios e suicídios, de acordo com as estatísticas. O importante então, para o bem de todos, é a aceitação da mudança, da diversidade e a afirmação do amor e do respeito como valores fundamentais do ser humano para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.