*texto escrito entre 22 e 23 de dezembro de 2021.
Então, aguardamos novamente pelo Natal. Este Natal que será com certeza atípico, pois será o primeiro evento natalino relativamente pós-pandêmico. Digo relativamente, porque temos a maior parte das pessoas vacinadas e também por haver uma atitude equivocada de muitas pessoas em achar que a pandemia acabou. Enfim, a expectativa e o temor é que agora as pessoas, ansiosas por festas e reuniões, vão vir com tudo e chutar o balde nestas festas de fim de ano.
Não quero aqui fazer uma crítica, nem um elogio ao Natal, e sim algumas reflexões. As críticas a esta data quase sempre passam por falar que é um evento comercial, onde as pessoas só se preocupam em festejar, comprar e ganhar presentes, esquecendo assim do “verdadeiro” significado do Natal como uma data de prestar solidariedade, reafirmar o amor e a união entre as pessoas e celebrar o nascimento de Jesus. É um discurso já um tanto clichet, apesar de não ser falso. O sentimento solidário, agora se mostra ainda mais necessário, pois devido à pandemia e questões políticas, muitos brasileiros entraram em situação precária, inclusive tendo o país voltado para o mapa da fome.
Particularmente, sempre tive muitas críticas ao Natal, sobretudo na adolescência. Época em que a revolta e o questionamento fazem parte de um adolescer (adoecer) “saudável”. Para mim, esta data sempre soou falsa, com muita hipocrisia e muitos traços culturais importados dos Estados Unidos. Chegou uma época em que eu nem conseguia dizer “Feliz Natal” para outra pessoa sem me sentir absolutamente ridículo. Mas, enfim, à medida que a gente cresce e vai ficando adulto passamos a reconsiderar certas coisas.
Quando penso nesta data vejo como um dos traços mais fortes o encontro familiar ou grupal. Impossível também não pensar nisso sem lembrar do filme dano-sueco, já clássico, Encontro de Família (1998) dirigido por Thomas Vinterberg, com roteiro dele e de Mogens Rukov. Não vou contar muitos detalhes do filme para não estragar a surpresa de quem quiser assisti-lo. A trama começa com uma família e amigos dirigindo-se para o hotel que pertence ao patriarca que vai comemorar 60 anos. Em seguida, vem a festa, marcada por muitas tensões e uma revelação extremamente grave acerca do aniversariante. Há quem diga que o filme trata de revelar a hipocrisia da classe burguesa, suas convenções e falsidades. De fato, vimos presente a importância das aparências e uma cobrança constante de pais para filhos acerca de suas carreiras e relacionamentos. Porém, acredito que o filme possui várias subcamadas importantes de se observar, e aqui vou destacar uma: a resiliência da família. Apesar da crescente evolução das tensões que explodem em agressões físicas, num dado momento o grupo, surpreendentemente, aparece unido na manhã seguinte com uma relativa resolução dos conflitos e estratégias para enfrentá-los.
O psicanalista Contardo Calligaris (2008), ao escrever sobre as brigas de casais, e ao meu entendimento isso pode se estender para os relacionamentos familiares e entre amigos, diz que os conflitos frequentemente tem a função de reorganizar e de dar um novo sentido à relação, mostrando assim que as brigas podem ter um papel benéfico, pois promove um tipo de reinício que dá fim à estagnação. Acredito, é óbvio, que as brigas de casais ou de família podem revelar uma atitude viciosa ligada à repetição, deste modo doentia, mas nem sempre é assim. As brigas podem também promover distanciamentos ou separações muitas vezes necessários para garantir uma certa harmonia. Enfim, acredito que os encontros e reuniões são necessários, pois, como seres grupais, precisamos deles. As cobranças, os olhares tortos, as palavras rudes, muitas vezes são inevitáveis e importantes, desde que a família consiga superar e permanecer unida. Desejo um natal e festas de fim de ano sem brigas viciosas e que o amor e a união prevaleçam.