PORTO ALEGRE - Com as contas em desequilíbrio, gastando mais do que arrecada há décadas e atolado em dívidas, o Rio Grande do Sul enfrenta um fantasma comum a muitas empresas em tempos de crise: a falência. O estado luta apenas para manter o salário dos servidores em dia e evitar, assim, um colapso nos serviços públicos.
O termo "falência", estranho ao mundo da política, não é apenas retórica. Um dos maiores especialistas em finanças públicas do estado adverte que o risco é real e pode ser concretizado até o fim do ano se o governo optar por não pagar a dívida pública com a União como forma de aliviar o caixa e garantir a manutenção dos serviços.
— O estado ainda não faliu apenas porque há resquícios financeiros que deram uma sobrevida ao governo atual. Mas não vejo muita chance de escapar da degola. No atual cenário, só se a receita crescesse bastante, o que não parece nem um pouco provável — avalia o economista e professor aposentado da UFRGS Darcy Carvalho dos Santos.A dívida consolidada se aproxima dos R$ 55 bilhões, mais de duas vezes a projeção de receita corrente líquida de 2015. Nos últimos 44 anos, em 37 exercícios fiscais o Rio Grande do Sul gastou mais do que arrecadou. As receitas, paralelamente ao mau comportamento das despesas, crescem cada vez menos. No primeiro semestre do ano, chegaram a registrar queda de 2,5% em relação a 2014.
A virtual insolvência do estado provoca implicações políticas. Os vencimentos de julho de mais de 160 mil funcionários, da ativa e aposentados, foram limitados a R$ 2.150 e só serão quitados daqui a duas semanas, se houver dinheiro. A perspectiva para agosto é ainda mais sombria: pagamento em dia somente até o limite de R$ 1 mil.
Professores, policiais civis e militares, servidores de educação e de saúde, técnicos e profissionais de nível superior reagiram com uma operação-padrão e ameaçam greve geral a partir do fim da próxima semana. A Segurança Pública é a área mais afetada pela crise, com 85% dos funcionários com salários atrasados. O atraso foi parar no STF, que ameaça o estado com uma intervenção caso descumpra uma eventual ordem para pagar em dia.
GASTOS COM FOLHA
Semana passada, o estado ultrapassou o limite prudencial de gastos com folha de servidores recomendado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, ao comprometer 47,3% da receita corrente líquida com salários. Esse gasto não deve ultrapassar 46,5%. O limite legal, a partir do qual pode haver sanções, é de 49%.
O presidente do Centro de Auditores Públicos Externos do TCE gaúcho, Josué Martins, estima que esse limite deve ser alcançado e ultrapassado já em novembro, quando deverá ser paga mais uma parcela do aumento concedido em 2013 a categorias da Segurança Pública. Os reajustes foram concedidos na gestão de Tarso Genro (PT) de forma escalonada até 2018. Martins defende que o estado lidere uma frente com outros estados para buscar soluções em nível federal.
— A crise não é responsabilidade dos servidores. É preciso refazer o contrato da dívida estadual, que está federalizada, e exercitar uma cobrança efetiva sobre a dívida ativa, que passa de R$ 6 bilhões. É um montante que supera os R$ 5,4 bilhões do déficit presumido para este ano. Também é preciso revisar as desonerações fiscais do estado, que ultrapassam R$ 13 bilhões — avalia Martins.
Mas, apesar da dívida de R$ 54,8 bilhões e da pressão da folha salarial, o grande problema do Rio Grande do Sul é o gasto com a Previdência, de longe o maior índice do país. O estado gasta 31% da receita líquida com aposentados. Para cada 100 servidores na ativa, o Rio Grande do Sul contabiliza 120 aposentados. Já computado o déficit do sistema, coberto pelo Tesouro estadual, o dispêndio líquido este ano deverá passar dos R$ 9,5 bilhões.O governo enviou um pacote de medidas à Assembleia em que prevê a criação de um sistema complementar de aposentadoria para o servidor que quiser receber acima do teto constitucional da Previdência.
Segundo o chefe da Casa Civil do governo gaúcho, Márcio Biolchi, trata-se de um "legado".
— O projeto que trata desse tema é o mais importante. Mas cabe destacar que só afeta servidores que venham a ser contratados no futuro. A Previdência chegou a um estado de insustentabilidade — diz Biolchi.